Mudando completamente de tema e de tom encontrei este livro e pensei que era altura de o mencionar aqui:
"Le moine et le philosophe"
Pai e filho. Um nasceu em 1924, o outro em 1946; um é filósofo, ensaísta, professor e ex-director do L’Express, o outro é cientista, especialista em Biologia Molecular e ex-investigador no Instituto Pasteur de Paris.
O pai, Jean-François Revel, pertence à Academia Francesa e foi premiado pelo conjunto da sua obra literária; o filho, Mathieu Ricard, abandonou uma carreira brilhante para se converter ao budismo, fez-se monge, tornou-se um dos maiores especialistas mundiais em matéria de espiritualidade tibetana e é há muitos anos o tradutor e acompanhante do Nobel da Paz.
Mathieu Ricard pertence ao círculo íntimo do Dalai Lama, fez incontáveis traduções de escritos tibetanos antigos e é autor de alguns livros de referência sobre o budismo.
Há cerca de doze anos pai e filho decidiram sentar-se juntos em Hatiban, no Nepal, no isolamento de um lugar único erguido no cimo da montanha que domina Katmandu, para uma longa conversa que haveria de ser gravada e depois editada em forma de livro.
"Le moine et le philosophe" não é um livro recente, portanto. Mas continua actual. Dolorosamente actual, para ser mais exacta. Os factos relativos às perseguições, extermínios e domínios permanecem na ordem do dia e revelam a atitude de impiedosa repressão exercida e mantida pelo governo chinês sobre o povo tibetano.
Ao longo do livro que agora leio com um olhar mais atento por ter acompanhado de perto os ensinamentos do Dalai Lama quando esteve em Lisboa, mas também por ter no meu círculo de amigos alguns budistas, esta realidade do genocídio e de todas as formas de opressão está muito presente e obriga a pensar.
Mas há uma outra realidade, infinitamente mais luminosa e inspiradora, que faz parar aqui e ali, sublinhar o que está escrito e até pousar o livro por breves momentos para conferir mentalmente teorias e práticas.
Não sou budista nem nunca serei mas esta certeza íntima não atrapalha em nada o meu fascínio pela espiritualidade tibetana e muito menos impede a minha adesão incondicional à personalidade e mensagem do Dalai Lama.
Mesmo não sendo dada à meditação budista, vou tentando perceber uma ou outra coisa que encaixo e adapto ao meu espírito que recorrentemente precisa de silêncio e contemplação.
O livro foi-me oferecido por uma amiga budista que sabe e percebe que há mais coincidências do que divergências entre quem "contempla" e quem medita. O gesto de me oferecer este e outros livros revela uma delicadeza enorme e uma amizade atenta ao essencial, aliás. Não se trata de uma tentativa de conversão mas antes de uma possibilidade de comunhão em questões fundamentais.
Hans Kung, filósofo alemão contemporâneo de Jean-François Revel, diz que é pela ética que vamos e eu acredito que sim, que a ética é um grande caminho para a humanidade.
Até breve Tágide!
Transcrevo alguns excertos que me parecem merecer serem compartilhados:
” Com muita frequência, a fascinação pelo “novo”, pelo “diferente”, reflecte uma pobreza interior. Incapazes de encontrar a felicidade em nós mesmos, nós a procuramos desesperadamente do lado de fora, em objectos, experiências, maneiras de pensar ou de se comportar cada vez mais estranhas. Em suma, afastamo-nos da felicidade procurando-a onde ela não está.”
“Em vez de aprender a não ter necessidades, nós multiplicamos necessidades.”
” O sofrimento resulta da ignorância. Portanto é a ignorância que preciso dissipar. E a ignorância, na sua essência, é o apego ao “eu” e à solidez dos fenómenos. Aliviar os sofrimentos imediatos de outrem é um dever, mas não basta: é preciso remediar as causas do próprio sofrimento.”
“Pode-se deter um conflito, uma guerra, mas outros sobreviverão, a menos que o espírito das pessoas se modifique.”
“O Poder, as posses, os prazeres dos sentidos, a fama – podem proporcionar satisfações momentâneas, mas nunca são fontes de satisfação permanente e, mais cedo ou mais tarde, transformam-se em descontentamento".
” Numa primeira análise, o budismo conclui que o sofrimento nasce do desejo, do apego, do ódio, do orgulho, da inveja, da falta de discernimento e de todos os factores mentais que são chamados negativos ou obscurecedores, porque transtornam o espírito e o mergulham num estado de confusão e insegurança.”
” A fé torna-se superstição quando se distancia da razão, ou mais ainda, quando ela se opõe. Mas quando está associada a razão, impede-a de ser um simples jogo intelectual”
” Já dizia Epicuro que cada necessidade satisfeita cria novas necessidades e multiplica o sentimento de frustração.”
in Jornal de Letras
Olá,
ResponderEliminarEsse livro está disponível no blog: http://omongeeofilosofo.blogspot.com.br/
Abraço,
Fernanda Alves