As irmâs Brontë - fotos de http://www.topfoto.co.uk/
É engraçado pensar que os primeiros romances publicados pelas irmãs Brontë (Charlotte, Emily e Anne sob o pseudônimo de Currer, Ellis e Acton Bell) tenham espalhado o rumor de que eram obras da mesma pessoa.
Embora uníssonas no período da publicação, a identidade das três irmãs está preservada na trama e na dicção de cada uma das obras.
Emily era a mais fechada das três, estava portanto mais aberta para escrever de uma forma que ninguém poderia imaginar.
Até mesmo a mais velha, Charlotte, tinha inicialmente as suas dúvidas quanto à qualidade de Wuthering Heights (O Monte dos Vendavais).
Chegou a pedir para a irmã que cortasse algumas passagens do livro. “My sister Emily is an incomparable poet but I am not certain what she is as a novelist”, Escreveu a um amigo.
E logo Charlotte, que convenceu as duas irmãs a escreverem um romance também, apresentou os três volumes a vários editores e no final, quando conseguiu o sim de um deles, recebeu-o com a irónica condição do destino: que o seu romance, The Professor, ficasse de fora. Mas a decepção durou pouco: Jane Eyre viria depois e traria mais alegrias do que as outras duas irmãs Brontë puderam alguma vez experimentar.
Wuthering Heights só recebeu sua primeira resenha positiva após a morte de Emily, três anos depois da publicação, por Sidney Dobell.
“É a obra prima de um poeta (…) de tanta riqueza e economia, de aparente facilidade, de uma arte tão instintiva”.
Recebeu comentários ofensivos e ridicularizadores até então.
“ De uma inexpressividade dolorosa” (Atlas Review).
“Como um escritor de ficção, este autor precisa aprender os primeiros princípios da arte (…), é tão prematuro, tão grotesco, tão completamente escasso de arte, que nos choca como tudo o que vem de uma mente de tão limitada experiência” (The Britannia).
“A acção passa-se no inferno, só que os lugares e as pessoas têm nomes ingleses” (Dante Gabriel Rosetti).
Anos mais tarde a irmã Charlotte defende-a:
“Ela não teve a chance de ler Jane Austen ou Dickens”. A maioria do que lia eram novelas de suspense e terror de revistas da época.
Para conseguirmos perceber a vida de Emily Brontë, nada é tão precioso quanto a presença de Charlotte Brontë.
Charlotte Brontë - foto de http://www.topfoto.co.uk/
Se, por exemplo, formos em busca de cartas, somente três de Emily foram preservadas – pouquíssimo em comparação com as setecentas cartas de Charlotte que ficaram para a História.
O facto é que foi esse carácter de “narradora” de Charlotte, e a valorização que ela deu desde início aos poemas das irmãs (e não aos do irmão, que já tinha alguns publicados em revistas, muito superiores aos de Anne e aos da própria Charlotte inclusive), que foi capaz de nos dar um vislumbre do que acontecia naquela casa em Haworth no séc. XIX.
Haworth foto de http://www.topfoto.co.uk/
Na época em que escreveu seu primeiro romance, Emily vivia numa casa onde todos padeciam de intensas desilusões amorosas, excepto ela (até onde se sabe). Anne amava um rapaz que já tinha morrido; Charlotte um homem que era casado com outra mulher.
Aquele terreno era novo, marcado por uma experiência que sua humanidade ainda não tinha explorado.
A que mais lhe tocou foi, no entanto, a do irmão Branwell apaixonado por uma mulher casada, que se somava ao fracasso de uma vida desgarrada, voltada também para o álcool e algumas drogas. Emily amava-o; acordava de madrugada para carregar o próprio irmão bêbado até a cama; um dia apagou um incêndio provocado por ele no quarto. “Não contem ao pai”, pediu às irmãs.
O pai chegava a dormir na cama com o filho já adulto temendo que este se suicidasse. Charlotte e Anne viam-no como um arruaceiro, um desestabilizador inconsequente, e por não terem quase nenhuma ligação com ele, não conseguiram absorver a imensa fonte de inspiração que a irmã do meio encontrou nele.
A que mais lhe tocou foi, no entanto, a do irmão Branwell apaixonado por uma mulher casada, que se somava ao fracasso de uma vida desgarrada, voltada também para o álcool e algumas drogas. Emily amava-o; acordava de madrugada para carregar o próprio irmão bêbado até a cama; um dia apagou um incêndio provocado por ele no quarto. “Não contem ao pai”, pediu às irmãs.
O pai chegava a dormir na cama com o filho já adulto temendo que este se suicidasse. Charlotte e Anne viam-no como um arruaceiro, um desestabilizador inconsequente, e por não terem quase nenhuma ligação com ele, não conseguiram absorver a imensa fonte de inspiração que a irmã do meio encontrou nele.
Emily Brontë - foto de http://www.topfoto.co.uk/
Emily não teria como saber como se comporta o coração de um homem quando vilmente iludido e descartado, mas com a existência de Branwell extraiu inspiração para as expressões, as inclinações e os despreparos de Heathcliff e Hindley Earnshaw.
Foi na visão do irmão aniquilado por um sentimento que Emily achou que o amor que dura é o amor contrariado. Talvez por isso Wuthering Heights concentre o maior índice de ódio por centímetro quadrado da literatura. Lá estava Branwell: semanas sem dormir e sem comer, praguejando contra uma existência, desolado. Nunca conseguiu ser o homem que desejava. Aqui encontra-se a chave com a qual Emily abriu as portas de Wuthering Heights.
Numa viagem que fez a Liverpool em Agosto de 1845, Branwell relatou à irmã que a cidade estava cheia de imigrantes irlandeses morrendo de fome pelas ruas.
Muitos órfãos também. Diante dessa voz e dessa visão ela encontra Heathcliff a criança, e assim nasce a trama. Wuthering Heights foi escrito no Outono e no Inverno desse mesmo ano.
Além da influência humana, os poemas de Byron e a sua biografia deixaram Emily perplexa na adolescência. Ao descobrir que durante as visitas diárias do poeta a Mary Chaworth, mulher por quem estava apaixonado na juventude, Byron ouviu uma vez ela comentar com a empregada: “achas que eu me preocupo com o rapaz coxo?!”.
Byron tinha realmente um problema nas pernas, e ouvir isto atingiu-o como uma humilhação destruidora. Esta frase não só destruiu Byron como impressionou Emily, e foi repercutir-se muitos anos depois, na cena em que Catherine Earnshaw revela seu amor e a sua repulsa por Heathcliff á empregada, sem saber que ele estava a ouvir.
Na sua infância e adolescência, Emily era fascinada por exploradores do Pólo Norte, tempestades de raios e pelas charnecas (terrenos de vegetação baixa e raras árvores pelos quais Emily foi apaixonada a vida inteira). Também amava a natureza como seu pai, e ouvia encantada as histórias que ele contava sobre homens e mulheres que se afastaram da sociedade e foram viver isolados em casas nos confins da Inglaterra.
Também se afeiçoou à ideia de Lúcifer, ao descobrir que um dia o demónio já foi uma criatura boa – e essa concepção não vai moldar só Heathcliff como todos os heróis sombrios que ela produziu em segredo antes de Wuthering Heights (o universo mágico chamado Gondal, onde ela exercitou grande parte de sua produção poética).
Também se afeiçoou à ideia de Lúcifer, ao descobrir que um dia o demónio já foi uma criatura boa – e essa concepção não vai moldar só Heathcliff como todos os heróis sombrios que ela produziu em segredo antes de Wuthering Heights (o universo mágico chamado Gondal, onde ela exercitou grande parte de sua produção poética).
A formação de Emily foi em poesia. Uma poesia rimada, estruturada, cabível na época. E de repente em Wuthering Heights acontece o salto:
- um texto sem digressões, bem construído. Isto só é possível encontrar em vários excertos que comprovam que não estamos perante uma grande contadora de histórias, capaz de criar literatura de primeira com ricos ornamentos poéticos.
Charlotte recebeu duas propostas de casamento, e rejeitou as duas. Emily e Anne, nenhuma.
A necessidade de ser sozinha, de comunicar com o não-visto, de se vestir com modas desactualizadas, de desenhar de tocar piano eram adereços da aversão de Emily ao convívio social.
A certa altura, era Emily quem cozinhava em casa, mas sempre com um livro à mão – e não era um livro de culinária.
Chegou a preparar um segundo romance, mas destruiu-o antes de morrer. Morreu três meses depois, com uma grave inflamação no pulmão – negou tratamento médico. Sabia que eles não tinham a capacidade de curá-la como não foram capazes de dar saúde digna à irmã mais nova, Anne, que passou a vida inteira num corpo debilitado.
Negou a amizade da família, isolou-se em si. Ficava muda, esperando a doença agravar-se. Quando percebeu o avanço, a fim de evitar o sofrimento físico, mas não a morte, permitiu que as irmãs chamassem o médico.
Morreu antes que ele chegasse. Keeper, o seu cão, com quem passeava pelas charnecas, ficou deitado á porta do seu quarto durante semanas. A sua irmã, Anne, morreria cinco meses depois, com vinte e oito anos de idade.
A necessidade de ser sozinha, de comunicar com o não-visto, de se vestir com modas desactualizadas, de desenhar de tocar piano eram adereços da aversão de Emily ao convívio social.
A certa altura, era Emily quem cozinhava em casa, mas sempre com um livro à mão – e não era um livro de culinária.
Chegou a preparar um segundo romance, mas destruiu-o antes de morrer. Morreu três meses depois, com uma grave inflamação no pulmão – negou tratamento médico. Sabia que eles não tinham a capacidade de curá-la como não foram capazes de dar saúde digna à irmã mais nova, Anne, que passou a vida inteira num corpo debilitado.
Negou a amizade da família, isolou-se em si. Ficava muda, esperando a doença agravar-se. Quando percebeu o avanço, a fim de evitar o sofrimento físico, mas não a morte, permitiu que as irmãs chamassem o médico.
Morreu antes que ele chegasse. Keeper, o seu cão, com quem passeava pelas charnecas, ficou deitado á porta do seu quarto durante semanas. A sua irmã, Anne, morreria cinco meses depois, com vinte e oito anos de idade.
Depois de perder a mãe com poucos meses de vida, ganhar pouco fascínio pelas coisas que existem, ver que literatura (elogiada ou ridicularizada) não tem força para dar sentido a uma existência, a saúde frágil da irmã mais nova, a incapacidade da medicina e, principalmente, de ver o irmão morrer sem qualquer consideração de quem amava, Emily Brontë aproveita a primeira possibilidade de partir e deixa-nos com Wuthering Heights, um maravilhoso filho único “sujo, roto, de cabelos pretos, já crescido o bastante para andar e falar” por ela.
Esta sua obra espelha toda uma vida que teve tanto de horror como de belo e que inspirou uma mulher como ela a ser diferente das mulheres desta época e a ter a coragem de o dizer com este livro. Emily Brontë conseguiu com esta obra fazer um retrato tão perturbantemente fidedigno da alma humana.
O Monte dos Vendavais
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A história desenrola-se nas charnecas bucólicas de Yorkshire, em Inglaterra, no período pré-vitoriano, e é narrada (através de analepses) por Mrs. Nelly Dean, a governanta da família Earnshaw, e Lockwood, um cavalheiro que está de passagem por aquela região.
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Mr. Earnshaw, após uma viagem a Liverpool, leva para a sua propriedade, o Monte dos Vendavais (assim conhecida devido aos fortes ventos que se faziam sentir naquelas charnecas), um rapaz órfão, Heathcliff, que educa como se fosse seu filho.
No início, os dois filhos biológicos de Mr. Earnshaw, Hindley e Catherine, detestam Heathcliff; todavia, à medida que o tempo passa, este e Catherine tornam-se inseparáveis e apaixonam-se um pelo outro. Mas, Hindley continua a maltratar Heathcliff, e o pai envia o filho para um colégio, mantendo o órfão em casa.
Passados três anos, morre Mr. Earnshaw, e Hindley, herdando a propriedade, regressa a casa, já casado com a jovem Frances. Decide então vingar-se de Heathcliff, tratando-o como um vulgar empregado da casa e obrigando-o a trabalhar nos campos.
Mais tarde, morre Frances ao dar à luz Hareton; Hindley torna-se bêbado e cada vez mais cruel para com Heathcliff. Num esforço de ascensão social, Catherine, o grande amor da vida de Heathcliff, casa com Edgar Linton da Herdade Trushcross, vizinha do Monte dos Vendavais. Heathcliff abandona a casa onde fora acolhido.
Heathcliff regressa rico e decide vingar-se de todos os que com ele foram injustos.
Depois da morte de Hindley, herda o Monte dos Vendavais e, com o objectivo de se apoderar também da Herdade Thrushcross, casa-se, por interesse, com Isabella Linton, que passa a tratar cruelmente.
Catherine vem a falecer após o nascimento da filha, a quem pôs o seu nome, facto que desespera Heathcliff que pede à alma da sua amada que o atormente e persiga para não ficar sozinho, longe dela.
Pouco tempo depois, a esposa de Heathcliff, sempre infeliz, abandona-o e refugia-se em Londres, onde dá à luz Linton. Este, mais tarde, após o falecimento da mãe, vai viver com o pai, que o trata agressivamente.
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Linton conhece a jovem Catherine e entre eles estabelece-se uma relação amorosa. Mas a jovem apercebe-se rapidamente de que a aproximação do rapaz é forçada por Heathcliff, com a finalidade de se apoderar da Herdade Thrushcross. Com efeito, Heathcliff consegue que Catherine case com o jovem Linton, que, pouco tempo depois, morre.
Morre também Edgar Linton, pai de Catherine, Heathcliff passa finalmente a deter o controlo das duas propriedades, obriga a nora a trabalhar como criada no Monte dos Vendavais. Aluga a Herdade Thrushcross a Lockwood, o cavalheiro que visitava a região, narrador das histórias daquela grande família.
Mais tarde, Heathcliff, completamente louco e obcecado pela memória de Catherine, persegue o fantasma da sua amada, e, numa noite, ao vaguear pela charneca, morre.
A viúva Catherine, apaixona-se por Harenton, filho de Hidley e France, e casam. Ficam os proprietários do Monte dos Vendavais e da Herdade Thrushcross.
Depois do que ouviu à governanta, o narrador sente vontade de visitar os túmulos de Catherine e Heathcliff.
O romance apresenta não só romantismo poético, como também realismo violento e perturbador.
Possui uma estrutura complexa e as suas personagens revelam um carácter profundo e forte.
Possui uma estrutura complexa e as suas personagens revelam um carácter profundo e forte.
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Adaptação ao cinema de William Wyler (1939)
A obra foi adaptada para cinema várias vezes, com título homónimo, destacando-se o filme de William Wyler (1939) e o de Peter Kosminsky (1992); este tem as interpretações de Juliette Binoche e Ralph Fiennes.
fotos de www.topfoto.co.uk Adaptação ao cinema de Peter Kosminsky (1992)
Chapter 9 ("I am Heathcliff!")
“(…)My love for Linton is like the foliage in the woods: time will change it, I'm well aware, as winter changes the trees. My love for Heathcliff resembles the eternal rocks beneath: a source of little visible delight, but necessary.”
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