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Orlando: mais do que a história dos sexos
Quando foi publicado, em 1928, Orlando era a menos “woolfiana” de entre as obras de Virginia Woolf. Nesta biografia ficcionada, os traços realistas ficaram de fora para dar lugar à exploração dos limites da consciência humana e à reflexão sobre o efeito do tempo no Homem.
Este é um texto com grandes potencialidades, aberto a vários níveis de interpretação: há quem veja nele a história de um personagem imaginário, e há quem veja muito mais do que isso. Talvez, acreditando nas palavras do próprio Orlando, este seja simplesmente a história de alguém que busca «a vida e o amor».
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A vida de Orlando é tão excepcional quanto nos é narrada com grande naturalidade pela “biógrafa” Virginia Woolf:
Orlando é-nos apresentado nas primeiras páginas da obra como um nobre e belo rapaz e a última vez que o vemos é enquanto mulher de trinta e seis anos.
Orlando é-nos apresentado nas primeiras páginas da obra como um nobre e belo rapaz e a última vez que o vemos é enquanto mulher de trinta e seis anos.
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O que sucede pelo meio? Orlando experimenta a decepção amorosa pelas mãos de Sasha, a princesa russa que o vai seduzir e desaparecer e a traição do poeta admirado que escreve um poema satírico inspirado no nobre rapaz que acreditava poder ser feliz entre os seus cães, a Natureza e a poesia.
É enquanto cônsul na Turquia que Orlando, então com trinta anos, acorda após um sono de sete dias para descobrir que o seu corpo é agora o de uma mulher. Esta mudança parece perturbá-la apenas no regresso à terra natal, quando Lady Orlando se sente mulher e compreende as contingências dos dois sexos.
As peripécias sucedem-se (a relação de Orlando com o Conde romeno que a corteja inclui episódios muito divertidos) até a mulher, já madura, encontrar aquilo que procura: o amor nos braços do misterioso Shelmerdine, que lhe dará uma filha, e a vida feita da sabedoria acumulada durante séculos.
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Talvez este texto devesse começar por aqui: aparentemente, Orlando é imortal e o período da sua vida que Woolf retrata estende-se desde a corte isabelina de 1600 até 11 de Outubro 1928, ano em que o livro é escrito.
Mas, como já se disse, a biógrafa descreve Orlando como meramente humano (Woolf impinge ao leitor este delicioso engano) e este ser, excepcional pela sua bondade, pela sua beleza, pela sua coragem apaixona facilmente aqueles leitores que têm o hábito de contrair “paixonetas” literárias.
Este retrato de Orlando parece ser a utopia da escritora: um ser humano imortal, leal, corajoso, inocente e puro. Alguém, de facto, que se assemelha a um ser humano, mas que pela sua perfeição nunca o poderia ser.
Orlando recebeu grande aceitação aquando da sua publicação, tanto na Grã-Bretanha como nos Estados Unidos. Diga-se que foi esta obra que permitiu ao casal Leonard e Virginia Woolf comprar o carro que os passeava por Londres e viver desafogadamente durante o resto das suas vidas. Este sucesso deveu-se ao burburinho causado pela explícita colagem do biografado a Vita Sackville-West, a mulher que obcecava Virginia e para quem Orlando foi escrito como «uma extensa carta de amor».
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Para além do escândalo social, outras controvérsias fizeram do livro um tema apetecível de discussão.
As feministas viram em Orlando o que lhes convinha: uma reflexão sobre o papel das mulheres na sociedade e na literatura, uma apologia da igualdade entre sexos ou até mesmo uma alegoria à superioridade do sexo feminino (recorde-se que, na última página do livro, Orlando é mulher, mãe e, principalmente, sábia e feliz).
As feministas viram em Orlando o que lhes convinha: uma reflexão sobre o papel das mulheres na sociedade e na literatura, uma apologia da igualdade entre sexos ou até mesmo uma alegoria à superioridade do sexo feminino (recorde-se que, na última página do livro, Orlando é mulher, mãe e, principalmente, sábia e feliz).
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E, se as interpretações feministas não fazem hoje sentido, a obra não perde por isso pertinência nem charme. Pelo contrário, liberta de eventuais manipulações ideológicas, - Virginia não rejeita ao livro essa carga ideológica, mas ao descrevê-lo como «uma piada» (referindo-se ao escândalo causado) ou como «uma extensa carta de amor», o feminismo parece remetido para um plano muito secundário - esta biografia fantástica ganha novas perspectivas e força intemporal.
Acima de tudo, Orlando é uma obra singular (tanto no panorama literário em geral quanto na bibliografia da também única Virginia Woolf), repleta de momentos de delicioso humor e de verdadeira poesia. Se não imediatamente na primeira página, o leitor é inevitavelmente levado a “apaixonar-se” por Orlando à medida que ele/a amadurece.
foto de http://www.motivatedphots.com/
A crítica aclamou o livro pela abordagem vanguardista que a autora fez da biografia enquanto género literário. Sendo Orlando imortal e, num primeiro momento, um nobre ao serviço da pátria, a sua vida calca os mesmos caminhos de importantes acontecimentos históricos, o que lhe confere uma capacidade desejada pela maioria dos mortais e que tanto talento e perspicácia exige ao biógrafo: ser, num único corpo, múltiplos indivíduos, viver inúmeras vidas e ver através de mais do que um par de olhos, relativizando (ou tornando obsoleta) a noção de tempo.
Refira-se que, apesar da sua peculiaridade, Orlando contém alguns elementos comuns a toda a obra de Woolf e que fizeram dela uma das mais importantes escritoras do Modernismo literário de início de século: a exploração do íntimo da personagem (impossível imaginar Orlando sem uma boa dose de liberdade subjectiva) e dos limites da consciência.
Muito se poderia dizer sobre esta biografia magistralmente ficcionada pela escrita elegante, inteligente e ritmada de Virginia Woolf, até porque, como já se disse, a cada leitura o texto torna-se mais plural e as deambulações pelas quais a autora atinge epifanias sobre os temas que aborda parecem abrir novos caminhos. O comentário aqui feito constitui apenas uma leitura pessoal da obra.
Para quem gostar do livro (e muito facilmente Orlando se torna um fetiche literário), recomenda-se o filme, do mesmo nome, realizado por Sally Potter e que consegue recriar o ambiente mágico, por vezes irreal, e manter intacto o humor do livro.
Um pequeno slideshow do You Tube com o trailer do filme e a banda sonora a música chama-se "COMING" e é interpretada por JIMMY SOMERVILLE:
Este é o video do final do filme:
Escritora inglesa nascida a 25 de Janeiro de 1882, no seio de uma família da alta sociedade londrina, e falecida a 28 de Março de 1941. O pai, Sir Leslie Stephen, era crítico literário. Virginia Stephen, nome de solteira, passou a infância numa mansão londrina com os três irmãos e tratada por sete criados, convivendo com personalidades como Henry James e Thomas Hardy. Virginia tinha 13 anos quando a mãe morreu e 22 quando chegou a vez do pai falecer. Os quatro irmãos foram então viver para Bloomsbury, um bairro londrino da classe média-alta. A irmã mais velha, Vanessa, de 25 anos, tomou conta dos restantes três.
Em sua casa foi formado o Grupo de Bloomsbury, onde se reúniam regularmente personalidades como os poetas T. S. Elliot e Clive Bell, o escritor E.M. Forster entre outros artistas e intelectuais. Os quatro irmãos, entretanto, viajaram pela Grécia e Turquia, mas pouco depois do regresso morreu Tholby, em Novembro de 1906. Virginia sofreu a primeira de muitas grandes depressões. Casou em 1912 com o crítico literário Leonard Woolf, que viria a ser o seu companheiro de toda a vida.
The Voyage Out, de 1915, marca o início da sua carreira de romancista, mas só dez anos depois, com Mrs Dalloway, considerado o seu primeiro grande romance modernista, chegou o reconhecimento como escritora reputada. Orlando, obra de 1928, confirmou as qualidades de Virgina Woolf.
Após obras como A Room of One's Own (Um Quarto Que Seja Seu), onde defende a independência das mulheres, The Waves (As Ondas) e The Years (Os Anos), em 1938 lançou um romance polémico, Three Guineas (Os Três Guinéus), na sequência da morte de um sobrinho na Guerra Civil espanhola.
Neste livro, Virginia Woolf defende que a guerra é a expressão do instinto sexual masculino.
A 28 de Março de 1941, pouco depois de ter lançado Between the Acts, Virginia Woolf suicidou-se, atirando-se a um rio com os bolsos cheios de pedras. Foi a segunda tentativa em poucos dias, interrompendo assim uma carreira marcada pela obtenção de diversos prémios literários, dos quais, contudo, só aceitou um, o Fémina, de França.
Paralelamente à actividade de escritora, Virginia, em conjunto com o marido, fundou e manteve uma editora, destinada a publicar textos experimentais, textos de amigos e traduções de russo. Intitulada Hobart Press, a editora funcionava em moldes caseiros, depois de em 1917 Leonard ter oferecido à esposa uma pequena tipografia.
Virginia Woolf. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-07-03].
Seria para mim uma ousadia tentar transmitir, em poucas palavras, o enredo de qualquer uma das suas obras.
Lembrei-me então de falar aqui deste livro - Orlando - onde poderão sentir na íntegra o poder da sua narrativa, como nos domina, como nos absorve...
Boas leituras! Até breve Tágide.
Achei maravilhoso o post. Parabéns
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