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A
presença constante das brumas, do mar cinzento encapelado, a bater
contra as rochas, das grandes casas de férias onde algo de estranho
acontece, da memória de um fantasma antigo nas famílias que escondem
grandes segredos.
Daphne du Maurier (1907-1989) escritora britânica, é um exemplo prodigioso desta forma de escrita.
A
ambiência de fascínio, o carácter fortemente visual das suas descrições
tornaram os seus contos e romances frequentes fontes de inspiração para
futuras incursões no cinema (várias delas pela mão de Alfred Hitchcock, mestre do suspense e do terror, cuja filmografia evoca muito do mesmo universo macabro que du Maurier recria nos seus livros).
Breve biografia de Daphne du Maurier:
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Daphne du Maurier (Londres, 13 de Maio 1907 — Cornwall, 19 de Abril 1989) Era filha de Gerald Du Maurier, famoso actor inglês, e neta de George Du Maurier, escritor de renome, autor de Trilby e Peter Ibbetson.
Daphne
foi criada e educada dentro do lar, segundo os padrões comuns às
famílias abastadas da época. Aos dezoito anos viajou para Paris, onde
permaneceu durante seis meses, aprendendo a língua e literatura
francesa. Na adolescência, escrevia contos e poemas, revelando
influências de Katherine Mansfield, Mary Webb e Guy de Maupassant.
Em
1931 publicou o seu primeiro romance, The Loving Spirit (O Espírito
Amante), que foi muito bem aceite pela crítica. Foi por causa deste
primeiro livro que conheceu seu futuro marido, Frederick Arthur Montague
Browning, jovem oficial do exército inglês que, impressionado com o
romance, quis conhecer a autora. Apaixonaram-se e casaram em 1932,
passando a viver numa elegante casa de campo em Hampshire.
Em Hampshire, continuou a escrever seus romances, a maioria deles best-sellers românticos que lhe trouxeram fama e fortuna.
Em Hampshire, continuou a escrever seus romances, a maioria deles best-sellers românticos que lhe trouxeram fama e fortuna.
Ao longo de sua carreira, escreveu mais de vinte obras, entre as quais se destacaram: Jamaica Inn,
em 1936; Rebecca, em 1939, uma deliciosa história de amor e mistério
que já vendeu mais de um milhão de exemplares; The King's General, em
1946; e The Parasites, em 1949, dentre outros.
Nos
últimos anos de vida, deixando de lado os temas basicamente
sentimentais, procurou desenvolver outros géneros. Assim, dentro da
ficção científica, escreveu o conto The Birds, onde as aves se organizam
e questionam o domínio do homem sobre a natureza, e The House on the
Strand, onde utiliza o tema da viagem através do tempo.
Grande
parte da sua obra foi adaptada para o cinema, principalmente pelo
mestre do suspense Alfred Hitchcock, que filmou Jamaica Inn, The Birds e
Rebecca, pelo qual ganhou um Oscar de melhor argumento adaptado.
Daphne
du Maurier foi nomeada Dama do Império Britânico. Faleceu aos 81 anos
de idade e, conforme seu desejo, foi cremada e suas cinzas foram
espalhadas nas colinas próximas da sua casa.
Bibliografia seleccionada:1931 - The Loving Spirit
1932 - I'll Never Be Young Again
1933 - Julius
1936 - Jamaica Inn
1938 - Rebecca
1941 - Frenchman's Creek
1943 - Hungry Hill
1946 - The King's General
1949 - The Parasites
1951 - My Cousin Rachel
1957 - The Scapegoat
1962 - Castle Dor (com Sir Arthur Quiller-Couch)
1965 - The Flight of the Falcon
1969 - The House on the Strand
1972 - Rule Britannia
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“Rebecca” de Daphne du Maurier - 1938
Sinopse:
O
viúvo aristocrático Maximillian de Winter está de passagem por Monte
Carlo onde conhece uma jovem dama de companhia de uma abastada e
irascível senhora que por ali passa uns dias de descanso.
Entre Maximillian e a jovem nasce uma amizade cúmplice que acaba num pedido de casamento logo aceite pela jovem.
Após
uma lua-de-mel em França, vão morar na antiga e imensa propriedade
familiar dos De Winter, Manderley, uma mansão vitoriana cheia de
divisões, lugares obscuros e envolta num clima misterioso, algo
sobrenatural.
A partir daí, a jovem, agora Mrs. De Winter, começa a sentir-se uma intrusa na mansão, outrora dominada pela primeira Mrs. De Winter, Rebecca.
Todos
os pormenores fazem sentir a presença de Rebecca. Essa sensação
torna-se, gradualmente, uma obsessão doentia que vai colocando em causa
não só o seu casamento, como o amor de Maxim e o propósito do casamento
de ambos.
A observá-la, Mrs. Danvers, governanta de Manderley e ex-criada pessoal de Rebecca…
O que me marcou quando li “Rebecca”:
Fascinou-me a capacidade de Maurier em criar um clima de tensão, uma aura de sobrenatural, de mistério do início ao fim.
Achei
surpreendente como é que estamos sempre com a convicção da presença de
Rebecca, a pouco e pouco ela torna-se a personagem principal do livro e
isso é fenomenal, pois é alguém que já não está entre os vivos mas que
continua a exercer uma imensa influência em tudo e todos.
Adorei o trabalho de criação das personagens:
A
ingénua e assustada dama de companhia transformada em Mrs. De Winter.
Maximillian, o rico e poderoso Mr. De Winter sempre tão misterioso.
Mrs.
Danvers, soberba. Das melhores personagens que já alguma vez tive o
prazer de ler, ficou a ser a minha preferida. No cinema a actriz que
encarnou este papel (Judith Anderson foto abaixo) foi muito fiel ao que
du Maurier descreveu no livro.
E Rebecca. Tão distante e tão presente, sobrenatural, um espectro invisível e silencioso, mas que grita a sua presença nos mais pequenos pormenores.
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E Rebecca. Tão distante e tão presente, sobrenatural, um espectro invisível e silencioso, mas que grita a sua presença nos mais pequenos pormenores.
Adorei a escrita de Maurier. Clara, concisa, sem grandes descrições, diria mesmo cinematográfica.
As
descrições, sempre curtas, são belíssimas, deliciosamente poéticas. A
forma como a autora vai criando os dilemas, as desconfianças, os
receios, os pensamentos obsessivos paranóicos de Mrs. De Winter, é
excepcional.
Não lhe chamarei plágio de forma alguma mas...
Manderley,
no seu ambiente misterioso, tétrico é deveras semelhante, ou se
quiserem, faz lembrar a propriedade dos “Monte dos Vendavais” (Herdade
da Cruz dos Tordos). Maximillian de Winter é demasiado semelhante ao Sr.
Rochester de “Jane Eyre” e até a heroína de “Rebecca” tem fortes laivos
da própria Jane Eyre. Jack Favell, o desconfiado e sarcástico primo de
Rebecca faz lembrar Heathcliff do “Monte dos Vendavais” e, finalmente, a
personagem de Rebecca, a misteriosa e enigmática Rebecca é quase uma
cópia da também enigmática louca que vive no sótão da mansão em “Jane
Eyre” e, note-se, até o parentesco é igual. Não no aspecto físico, mas
sobretudo no impacto das personagens.
Há definitivamente algo que me agrada na presença de fantasmas antigos que reclamam o seu lugar nas casas!
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Adaptação ao Cinema de "Rebecca":
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PAÍS/ANO: EUA/1940
DURAÇÃO: 130 min
GÊNERO: Suspense/Drama/Romance
DIREÇÃO: Alfred Hitchcock
ROTEIRO: Robert E. Sherwood e Joan Harrison, baseado em livro de Daphne Du Maurier
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ELENCO:
Laurence Olivier .... George Fortescu Maximilian de Winter
Joan Fontaine .... a segunda esposa de Winter
George Sanders .... Jack Favell
Judith Anderson .... sra. Danvers
Nigel Bruce .... major Giles Lacy
Reginald Denny .... Frank Crawley
C. Aubrey Smith .... coronel Julyan
Gladys Cooper .... Beatrice Lacy
Florence Bates .... sra. Edythe Van Hopper
Melville Cooper .... coronel
Leo G. Carroll .... dr. Baker
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Outras obras da escritora:
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Em Os Pássaros e Outros Contos Macabros:
Segundo
a própria escritora, todas as suas histórias têm sempre origem na
impressão deixada por um episódio real qualquer da sua vida, depois
amadurecido, marinado, dando largas a uma imaginação dotada de uma
impressionante capacidade de construção de realidades alternativas,
acabando por transformar-se nas histórias que conhecemos, em que a
presença do macabro é uma nota crescente.
No
conto "Os Pássaros", que inspirou o filme de Hitchcock, é certo que o
contexto da história e a narrativa sofreram alterações na passagem ao
cinema, mas o tom de um certo terror fino, subliminar, contido mas
crescente, emerge claramente em ambos.
O que é mais terrível:
- enquanto o filme de Hitchcock nos deixa com um final em aberto, suficientemente ambíguo para podermos acreditar que o pior já passou, que com a fuga terá terminado a catástrofe, o conto de Daphne du Maurier abandona a narrativa em pleno auge, a meio dos ataques sanguinários, quando sabemos perfeitamente que o pior há-de estar para vir e que não há fuga possível.
- enquanto o filme de Hitchcock nos deixa com um final em aberto, suficientemente ambíguo para podermos acreditar que o pior já passou, que com a fuga terá terminado a catástrofe, o conto de Daphne du Maurier abandona a narrativa em pleno auge, a meio dos ataques sanguinários, quando sabemos perfeitamente que o pior há-de estar para vir e que não há fuga possível.
É
um conto sufocante, cuja recordação é capaz de causar arrepios, ou até
pesadelos. A ideia que lhe deu forma surgiu dos seus inúmeros passeios
pelas falésias da Cornualha, em que a escritora via um agricultor lavrar
a terra no seu tractor, com bandos de gaivotas e outros pássaros voando
e gritando em seu redor, pontualmente mergulhando a pique para apanhar
minhocas ou outro alimento.
A imagem fortíssima terá despertado na imaginação da autora a seguinte indagação: “E se eles deixassem de se interessar por minhocas?”
A imagem fortíssima terá despertado na imaginação da autora a seguinte indagação: “E se eles deixassem de se interessar por minhocas?”
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Em A Macieira,
é-nos apresentada uma casa com um pomar, em que nos surge uma árvore
humanizada, que é como um alter-ego da falecida esposa do protagonista,
deprimida, decrepita, encurvada. Aos poucos, a árvore vai estabelecendo o
seu silencioso domínio, exercendo um subtil terror psicológico sobre
ele, acabando por finalmente reclamar a posse da sua vida.
Em As Lentes Azuis,
uma mulher, acometida por uma maleita cuja natureza não nos é dada a
conhecer, submete-se a uma complicada intervenção cirúrgica para
recuperar a visão, que a obriga ao uso de umas lentes correctoras
intra-oculares. Acontece que as lentes provocam uma deformação da
realidade que deixa a personagem com uma sensação de absoluta solidão e
completo desespero, constantemente duvidando se será vítima de um grande
equívoco, de uma partida mestra, ou se há uma conspiração geral para a
enlouquecer. A sensação de isolamento determinado pela ambiguidade da
percepção visual é um drama psicológico que não pode deixar de me fazer
pensar, por analogia, no universo do insólito terrível do Ensaio sobre a
Cegueira de José Saramago.
Em O Álibi,
Daphne du Maurier aborda um assunto não menos interessante, que é
precisamente a fronteira que pode separar um homem da loucura; em que
ponto (e por que motivo) pode acontecer o “clic” fatal que o fará
abandonar a sua vida sã e as rotinas de todos os dias em busca de uma
forma de libertação através da violência, da crueldade, ou do crime?
Finalmente, em Nunca Depois da Meia-Noite,
somos transportados ao belíssimo cenário da ilha de Creta, onde não
poderiam deixar de vaguear os fantasmas da mitologia grega clássica:
Diónisos, deus da embriaguez e Sileno, sátiro, pequeno demónio seu
mentor, permanecem em pano de fundo enquanto a trama se constrói, como
quem conspira para a perdição da personagem principal, vítima da sua
própria imprudência.
Trata-se
de uma leitura envolvente, menos ligeira do que o formato permite
adivinhar, que nos cativa com o fascínio que habitualmente exercem sobre
nós as profundezas dos abismos.
Não deixa de ser curioso que diversos críticos tenham, ao longo dos tempos, considerado as obras de Daphne du Maurier
como não pertencentes a uma certa categoria de “pesos pesados” da
literatura, estabelecendo por vezes comparações a outras autoras
britânicas de suma importância no panorama literário da época, tais como
Iris Murdoch. Felizmente, o presente tem resgatado a autora de
volta para o círculo dos ficcionistas de primeira-classe, reconhecendo a
sua mestria na recriação de atmosferas misteriosas onde o suspense, um
forte sentido de lugar, e uma nota de terror psicológico são dominantes.
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