Walt Whitman (1819 - 1892)

Walt Whitman (1819 - 1892)
(...) What do you see, Walt Whitman? Who are they you salute, and that one after another salute you? (...)

1 de setembro de 2012

Daphne du Maurier - "Last night I dreamt I went to Manderley again..."


Foto motivatedphotos.com

Foi há uns anos largos que, numa colecção antiga de policiais do meu pai, descobri o célebre Rebecca de Daphne du Maurier. Já o li mais do que uma vez, o que é mais do que posso dizer sobre a maioria dos livros mais marcantes da minha vida. O que me agrada no género do romance policial inglês é o tom de um certo requinte macabro que o percorre. Mais do que suspense e terror, há mistério, obscuridade e um pouco de sobrenatural.

A presença constante das brumas, do mar cinzento encapelado, a bater contra as rochas, das grandes casas de férias onde algo de estranho acontece, da memória de um fantasma antigo nas famílias que escondem grandes segredos.

Daphne du Maurier (1907-1989) escritora britânica, é um exemplo prodigioso desta forma de escrita.
A ambiência de fascínio, o carácter fortemente visual das suas descrições tornaram os seus contos e romances frequentes fontes de inspiração para futuras incursões no cinema (várias delas pela mão de Alfred Hitchcock, mestre do suspense e do terror, cuja filmografia evoca muito do mesmo universo macabro que du Maurier recria nos seus livros).

O verão tende a relembrar-me que Rebecca é mesmo um dos livros da minha vida...

Breve biografia de Daphne du Maurier:

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Daphne du Maurier (Londres, 13 de Maio 1907 — Cornwall, 19 de Abril 1989) Era filha de Gerald Du Maurier, famoso actor inglês, e neta de George Du Maurier, escritor de renome, autor de Trilby e Peter Ibbetson.

Daphne foi criada e educada dentro do lar, segundo os padrões comuns às famílias abastadas da época. Aos dezoito anos viajou para Paris, onde permaneceu durante seis meses, aprendendo a língua e literatura francesa. Na adolescência, escrevia contos e poemas, revelando influências de Katherine Mansfield, Mary Webb e Guy de Maupassant.

Em 1931 publicou o seu primeiro romance, The Loving Spirit (O Espírito Amante), que foi muito bem aceite pela crítica. Foi por causa deste primeiro livro que conheceu seu futuro marido, Frederick Arthur Montague Browning, jovem oficial do exército inglês que, impressionado com o romance, quis conhecer a autora. Apaixonaram-se e casaram em 1932, passando a viver numa elegante casa de campo em Hampshire.
Em Hampshire, continuou a escrever seus romances, a maioria deles best-sellers românticos que lhe trouxeram fama e fortuna.

Ao longo de sua carreira, escreveu mais de vinte obras, entre as quais se destacaram: Jamaica Inn, em 1936; Rebecca, em 1939, uma deliciosa história de amor e mistério que já vendeu mais de um milhão de exemplares; The King's General, em 1946; e The Parasites, em 1949, dentre outros.

Nos últimos anos de vida, deixando de lado os temas basicamente sentimentais, procurou desenvolver outros géneros. Assim, dentro da ficção científica, escreveu o conto The Birds, onde as aves se organizam e questionam o domínio do homem sobre a natureza, e The House on the Strand, onde utiliza o tema da viagem através do tempo.

Grande parte da sua obra foi adaptada para o cinema, principalmente pelo mestre do suspense Alfred Hitchcock, que filmou Jamaica Inn, The Birds e Rebecca, pelo qual ganhou um Oscar de melhor argumento adaptado.

Daphne du Maurier foi nomeada Dama do Império Britânico. Faleceu aos 81 anos de idade e, conforme seu desejo, foi cremada e suas cinzas foram espalhadas nas colinas próximas da sua casa.


Bibliografia seleccionada:

1931 - The Loving Spirit

1932 - I'll Never Be Young Again

1933 - Julius

1936 - Jamaica Inn

1938 - Rebecca

1941 - Frenchman's Creek

1943 - Hungry Hill

1946 - The King's General

1949 - The Parasites

1951 - My Cousin Rachel

1957 - The Scapegoat

1962 - Castle Dor (com Sir Arthur Quiller-Couch)

1965 - The Flight of the Falcon

1969 - The House on the Strand

1972 - Rule Britannia

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“Rebecca” de Daphne du Maurier - 1938


Sinopse:

O viúvo aristocrático Maximillian de Winter está de passagem por Monte Carlo onde conhece uma jovem dama de companhia de uma abastada e irascível senhora que por ali passa uns dias de descanso.
Entre Maximillian e a jovem nasce uma amizade cúmplice que acaba num pedido de casamento logo aceite pela jovem.
Após uma lua-de-mel em França, vão morar na antiga e imensa propriedade familiar dos De Winter, Manderley, uma mansão vitoriana cheia de divisões, lugares obscuros e envolta num clima misterioso, algo sobrenatural.
A partir daí, a jovem, agora Mrs. De Winter, começa a sentir-se uma intrusa na mansão, outrora dominada pela primeira Mrs. De Winter, Rebecca.
Todos os pormenores fazem sentir a presença de Rebecca. Essa sensação torna-se, gradualmente, uma obsessão doentia que vai colocando em causa não só o seu casamento, como o amor de Maxim e o propósito do casamento de ambos.
A observá-la, Mrs. Danvers, governanta de Manderley e ex-criada pessoal de Rebecca…

O que me marcou quando li  “Rebecca”:

Fascinou-me a capacidade de Maurier em criar um clima de tensão, uma aura de sobrenatural, de mistério do início ao fim.
Achei surpreendente como é que estamos sempre com a convicção da presença de Rebecca, a pouco e pouco ela torna-se a personagem principal do livro e isso é fenomenal, pois é alguém que já não está entre os vivos mas que continua a exercer uma imensa influência em tudo e todos.
Adorei o trabalho de criação das personagens:
A ingénua e assustada dama de companhia transformada em Mrs. De Winter. Maximillian, o rico e poderoso Mr. De Winter sempre tão misterioso.
Mrs. Danvers, soberba. Das melhores personagens que já alguma vez tive o prazer de ler, ficou a ser a minha preferida. No cinema a actriz que encarnou este papel (Judith Anderson foto abaixo) foi muito fiel ao que du Maurier descreveu no livro.


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E Rebecca. Tão distante e tão presente, sobrenatural, um espectro invisível e silencioso, mas que grita a sua presença nos mais pequenos pormenores.
Adorei a escrita de Maurier. Clara, concisa, sem grandes descrições, diria mesmo cinematográfica.
As descrições, sempre curtas, são belíssimas, deliciosamente poéticas. A forma como a autora vai criando os dilemas, as desconfianças, os receios, os pensamentos obsessivos paranóicos de Mrs. De Winter, é excepcional.
Não lhe chamarei plágio de forma alguma mas...
Manderley, no seu ambiente misterioso, tétrico é deveras semelhante, ou se quiserem, faz lembrar a propriedade dos “Monte dos Vendavais” (Herdade da Cruz dos Tordos). Maximillian de Winter é demasiado semelhante ao Sr. Rochester de “Jane Eyre” e até a heroína de “Rebecca” tem fortes laivos da própria Jane Eyre. Jack Favell, o desconfiado e sarcástico primo de Rebecca faz lembrar Heathcliff do “Monte dos Vendavais” e, finalmente, a personagem de Rebecca, a misteriosa e enigmática Rebecca é quase uma cópia da também enigmática louca que vive no sótão da mansão em “Jane Eyre” e, note-se, até o parentesco é igual. Não no aspecto físico, mas sobretudo no impacto das personagens.

Mas quem sou eu para explorar as influências literárias de Daphne du Maurier...

Há definitivamente algo que me agrada na presença de fantasmas antigos que reclamam o seu lugar nas casas!

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Adaptação ao Cinema de "Rebecca":

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TÍTULO ORIGINAL: Rebecca
PAÍS/ANO: EUA/1940
DURAÇÃO: 130 min
GÊNERO: Suspense/Drama/Romance
DIREÇÃO: Alfred Hitchcock
ROTEIRO: Robert E. Sherwood e Joan Harrison, baseado em livro de Daphne Du Maurier

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ELENCO:

Laurence Olivier .... George Fortescu Maximilian de Winter
Joan Fontaine .... a segunda esposa de Winter
George Sanders .... Jack Favell
Judith Anderson .... sra. Danvers
Nigel Bruce .... major Giles Lacy
Reginald Denny .... Frank Crawley
C. Aubrey Smith .... coronel Julyan
Gladys Cooper .... Beatrice Lacy
Florence Bates .... sra. Edythe Van Hopper
Melville Cooper .... coronel
Leo G. Carroll .... dr. Baker

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Outras obras da escritora:


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Em Os Pássaros e Outros Contos Macabros:

Segundo a própria escritora, todas as suas histórias têm sempre origem na impressão deixada por um episódio real qualquer da sua vida, depois amadurecido, marinado, dando largas a uma imaginação dotada de uma impressionante capacidade de construção de realidades alternativas, acabando por transformar-se nas histórias que conhecemos, em que a presença do macabro é uma nota crescente.

No conto "Os Pássaros", que inspirou o filme de Hitchcock, é certo que o contexto da história e a narrativa sofreram alterações na passagem ao cinema, mas o tom de um certo terror fino, subliminar, contido mas crescente, emerge claramente em ambos.

O que é mais terrível:
- enquanto o filme de Hitchcock nos deixa com um final em aberto, suficientemente ambíguo para podermos acreditar que o pior já passou, que com a fuga terá terminado a catástrofe, o conto de Daphne du Maurier abandona a narrativa em pleno auge, a meio dos ataques sanguinários, quando sabemos perfeitamente que o pior há-de estar para vir e que não há fuga possível.

É um conto sufocante, cuja recordação é capaz de causar arrepios, ou até pesadelos. A ideia que lhe deu forma surgiu dos seus inúmeros passeios pelas falésias da Cornualha, em que a escritora via um agricultor lavrar a terra no seu tractor, com bandos de gaivotas e outros pássaros voando e gritando em seu redor, pontualmente mergulhando a pique para apanhar minhocas ou outro alimento.
A imagem fortíssima terá despertado na imaginação da autora a seguinte indagação: “E se eles deixassem de se interessar por minhocas?”

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Em Não Olhes Agora, a visão de duas velhotas gémeas e de uma criança que saltava de um barco para uma cave durante umas férias em Veneza, serviu de mote para um conto em que a autora inclui as três como personagens de uma trama que agoura desde o primeiro momento terminar muito mal para os protagonistas. Esta é uma tendência que atravessa os restantes contos, com a presença constante da morte a circundar, ou mesmo a encerrar a narrativa.

Em A Macieira, é-nos apresentada uma casa com um pomar, em que nos surge uma árvore humanizada, que é como um alter-ego da falecida esposa do protagonista, deprimida, decrepita, encurvada. Aos poucos, a árvore vai estabelecendo o seu silencioso domínio, exercendo um subtil terror psicológico sobre ele, acabando por finalmente reclamar a posse da sua vida.

Em As Lentes Azuis, uma mulher, acometida por uma maleita cuja natureza não nos é dada a conhecer, submete-se a uma complicada intervenção cirúrgica para recuperar a visão, que a obriga ao uso de umas lentes correctoras intra-oculares. Acontece que as lentes provocam uma deformação da realidade que deixa a personagem com uma sensação de absoluta solidão e completo desespero, constantemente duvidando se será vítima de um grande equívoco, de uma partida mestra, ou se há uma conspiração geral para a enlouquecer. A sensação de isolamento determinado pela ambiguidade da percepção visual é um drama psicológico que não pode deixar de me fazer pensar, por analogia, no universo do insólito terrível do Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago.

Em O Álibi, Daphne du Maurier aborda um assunto não menos interessante, que é precisamente a fronteira que pode separar um homem da loucura; em que ponto (e por que motivo) pode acontecer o “clic” fatal que o fará abandonar a sua vida sã e as rotinas de todos os dias em busca de uma forma de libertação através da violência, da crueldade, ou do crime?

Finalmente, em Nunca Depois da Meia-Noite, somos transportados ao belíssimo cenário da ilha de Creta, onde não poderiam deixar de vaguear os fantasmas da mitologia grega clássica: Diónisos, deus da embriaguez e Sileno, sátiro, pequeno demónio seu mentor, permanecem em pano de fundo enquanto a trama se constrói, como quem conspira para a perdição da personagem principal, vítima da sua própria imprudência.

Trata-se de uma leitura envolvente, menos ligeira do que o formato permite adivinhar, que nos cativa com o fascínio que habitualmente exercem sobre nós as profundezas dos abismos.

Não deixa de ser curioso que diversos críticos tenham, ao longo dos tempos, considerado as obras de Daphne du Maurier como não pertencentes a uma certa categoria de “pesos pesados” da literatura, estabelecendo por vezes comparações a outras autoras britânicas de suma importância no panorama literário da época, tais como Iris Murdoch. Felizmente, o presente tem resgatado a autora de volta para o círculo dos ficcionistas de primeira-classe, reconhecendo a sua mestria na recriação de atmosferas misteriosas onde o suspense, um forte sentido de lugar, e uma nota de terror psicológico são dominantes.

Definitivamente recomendável, este verão. Boas leituras! Tágide
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